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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    32 Novembro 2014  
 
 
O MUNDO, HOJE

SOBRE O SUJEITO DA PSIQUIATRIA E O SUJEITO DA PSICANÁLISE


Mario Eduardo Costa Pereira[1]


Ocorreu em Nova Iorque, nos dias 19 e 20 de setembro, o Colóquio intitulado Sobre o sujeito da psiquiatria e o sujeito da psicanálise. Realizado no célebre Mount Sinai Hospital, esse evento reuniu psiquiatras, psicanalistas, pesquisadores e intelectuais de diferentes áreas com o objetivo de debater o lugar da subjetividade no campo psiquiátrico contemporâneo. Os organizadores desse importante evento foram ALFAPSY (Alternative Fédérative des Associations de Psychiatrie) e Après-Coup Psychoanalytic Association, de Nova Iorque.

Uma série de perguntas orientadoras foram previamente escolhidas para estruturar as discussões: como pode a psiquiatria estabelecer uma alternativa à lógica neoliberal que ignora as questões éticas e sociais subjacentes às patologias psíquicas e as transforma em uma doença como qualquer outra? Qual é a importância da chamada Big Pharma, que lucra com a promessa de uma solução rápida (quick fix), no retorno de um reducionismo biológico extremo para explicar as condições psicopatológicas? Como a fé idealista na quantificação e nas medições desmente as particularidades da doença mental?

Entre os palestrantes estiveram o Prof. Juan Mezzich, presidente da Associação Mundial de Psiquiatria de 2005 a 2008, fundador e atual secretário-geral do Colégio Internacional de Psiquiatria Centrada na Pessoa;

Christopher Lane, Professor de Literatura e História do Pensamento na Northwestern University e autor do livro Timidez: como um comportamento normal tornou-se uma doença;

Paola Mieli, psicanalista, presidente de Après-Coup Associação Psicanalítica, de Nova Iorque;

Patrick Landman, psiquiatra infantil, psicanalista, supervisor de uma equipe de psico-oncologia no Institut Curie, Paris e ex-presidente do Espace Analytique;

Frank Summers, ex-presidente da Seção de Psicanálise da Associação Americana de Psicologia, Professor de Psicopatologia e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina Feinberg, Northwestern University;

Robert Whitaker, jornalista e escritor norte-americano, escrevendo principalmente sobre medicina, ciência e história. Autor de Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs, and the Astonishing Rise of Mental Illness in America, pelo qual recebeu o prêmio de melhor livro de jornalismo investigativo pela IRE - Investigative Reporters and Editors, Inc.

Dois psicanalistas/psiquiatras brasileiros participaram como palestrantes nesse colóquio: Marco Antônio Coutinho Jorge tratou das contribuições de Lacan ao diagnóstico clínico em psiquiatria e em psicanálise, na mesa-redonda A psicanálise na era da neurociência: a questão do diagnóstico; e eu, Mario Eduardo Costa Pereira, tratei da irredutibilidade dos conceitos sujeito do inconsciente à noção humanista de pessoa na mesa-redonda intitulada Por uma Psiquiatria Centrada na Pessoa: uma questão de cuidado, realizada juntamente com Juan Mezzich, Michel Botbol, da França, e Hichem Tyal, do Marrocos. Para uma vertente importante da psiquiatria que busca escapar de um aprisionamento no reducionismo explicativo de natureza biológica, a proposta de uma prática centrada na pessoa surge como um verdadeiro movimento de abertura. A psicanálise pode trazer uma contribuição substancial para esse projeto, indicando que a clivagem irredutível do sujeito freudiano não pode ser curada, mas que, antes, impõe a cada um a constante tarefa de apropriação e responsabilização pelo próprio desejo, mesmo ao preço de certo sofrimento, de certa inadaptação, de alguma dose de disorder face aos imperativos higienistas de normalização. Uma prática psiquiátrica pode encontrar aí uma referência sólida para orientar eticamente a direção de seus tratamentos, sem deixar de ser especificamente uma especialidade da medicina.

Este evento permitiu um debate que muitos poderiam considerar impossível no contexto atual: psiquiatria e psicanálise reunidas nos Estados Unidos em um dos hospitais mais importantes do mundo para discutirem suas respectivas concepções de sujeito e suas incidências clínicas. De fato, a história das interlocuções entre esses dois campos ainda não acabou. Evidencia-se que nem a psiquiatria, nem a psicanálise constituem blocos unitários e homogêneos. Em uma e outra disciplinas encontram-se tensões, clivagens, diferentes posições teóricas, clínicas e políticas, bem como inquietações sobre os fundamentos éticos de suas práticas - o que mantém abertas e vivas as possibilidades de transformação.

Para mais detalhes sobre esse evento, consultar:  
www.apres-coup.org/mt/downloads/

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[1] Psicanalista e psiquiatra; professor do Departamento de Psiquiatria da UNICAMP, onde dirige o Laboratório de Psicopatologia: Sujeito e Singularidade (LaPSuS) e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.


 




 
 
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