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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    45 Abril 2018  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

HOMENAGEM A UMA TECELÃ DE REDES


VICTÓRIA JUNQUEIRA BARROS[I]





Em 24 de novembro de 2017 percorri as rampas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Na sala 239 teve início o evento em homenagem a psicanalista e professora Silvana Rabello e o lançamento do livro Laço mãe bebê: intervenções e cuidados, último projeto editorial que contou com sua participação.

Neste livro, Silvana Rabello e Marina Bialer reuniram artigos contemporâneos de psicanalistas que tomam para si a discussão acerca dos laços primordiais. Por meio de diferentes interlocuções entre a psicanálise e outros campos do saber, a coletânea se destina a todos aqueles que se inquietam frente aos desafios do trabalho com bebês nos mais diferentes cenários. Afinal, caberia a psicanálise ocupar-se deste campo? Nas palavras de Silvana:

São autores que, por meio da discussão teórico-clínica clara e bem fundamentada, introduzem o leitor (psicanalista ou não) aos saberes disponíveis na atualidade, assim como aos mais originais dispositivos de cuidados aos laços primordiais, criados para oferecer suporte ao trabalho de constituição subjetiva num bebê, a despeito dos impasses que, muitas vezes, são impostos pela conjuntura social em que vivem.

Os artigos foram agrupados em quatro eixos: fundamentação, dispositivos de intervenção mãe-bebê, quadros de psicopatologia materna e o laço mãe-bebê, obstáculos ao exercício da maternidade e questões sociais. Neste percurso, desenha-se uma trilha pela qual caminhamos junto aos autores e que nos leva dos fundamentos psicanalíticos desta clínica às mais diferentes formas de sofrimento e dispositivos de intervenção, através de práticas clínicas que operam fora dos moldes clássicos sugeridos por Sigmund Freud.

Penso que voltar nosso olhar aos bebês não é tarefa simples. Este que se anuncia na gestação chega ao mundo herdeiro de uma história familiar, simbólica e cultural. Assim, como desenvolver práticas concernentes a este momento do desenvolvimento? Como facilitar a construções de laços, da parentalidade daqueles que cuidam? Estas são algumas das questões que encontram ressonâncias durante a leitura.

No entanto, não apenas para o lançamento do livro, neste dia nos reunimos em torno de uma homenagem. No transcorrer das horas, do ensolarado ao entardecer, professores, colegas, amigos e alunos compartilharam encontros com Silvana, sua presença em muitas formas. As contribuições e a abrangência de seu trabalho como docente, orientadora, o envolvimento com pesquisas de mestrado e doutorado. Sua prática clínica voltada aos cuidados na primeira infância e às psicopatologias graves. Sua participação na coordenação da área de Saúde Mental da Criança e do Adolescente do projeto Rede Sampa. Haveria muito para dizer.

Pessoalmente, conheci a Silvana professora e na posição de aluna escutei com atenção seus dizeres em defesa da clínica da subjetividade, de uma psicanálise fora do setting tradicional, clínica política, ética. Práticas com alicerces sólidos sustentadas no compromisso indissolúvel com o sujeito desejante.

Silvana faleceu aos 57 anos e penso que neste último livro também se ocupou de tecer redes. Laço mãe-bebê, a importância da sustentação para este sujeito que vem ao mundo, atenção ao laço social que se funda e com os profissionais que dele se ocupam.

Cuidado, firmeza, delicadeza, afeto - estas são algumas palavras que ecoaram em mim ao longo do dia. Ditos de seus amigos lembraram a Sil que "era energética, doce, firme", persistente, por vezes um pouco teimosa, "quando queria fazer, fazia". Muitos narraram uma partida antes do tempo de envelhecer, "a Sil foi querendo ficar". Foi o tempo que aconteceu e, ainda que breve para muitos, laços foram feitos, pois "A Sil (...) tinha o dom de tecer redes entre pessoas".

Inegável a falta. Mas, fundamentalmente, inegáveis também as contribuições de seu trabalho, sua presença afetuosa. Em tempos de desmonte das políticas públicas de Saúde Mental, tempos de intolerância, não é raro que os pactos do coletivo se enfraqueçam ou recuem, diante da impotência. Sem negar as circunstâncias, Silvana se voltava às potencialidades, fomentava o papel de resistência da psicanálise. Ficam seus trabalhos, amigos e as redes que teceu. Fica a ausência.

Como aluna, agradeço.



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[I] Victória Junqueira Barros é psicóloga formada pela PUC/SP, especialista em saúde mental e coletiva pela residência multiprofissional da UNICAMP. Atua com a prática clínica e desenvolve grupos com mães e bebês no contexto de cárcere.




 
 
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