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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    46 Junho 2018  
 
 
O MUNDO, HOJE

THE END OF THE F@# WORLD [i]



Gláucia Faria da Silva [ii]


Hey baby, take a walk on the wild side

Lou Reed

Os aspectos realmente transitórios da vida são as potencialidades; porém, no momento em que são realizadas, se transformam em realidades, são resgatadas e entregues ao passado, onde ficam a salvo, resguardadas da transitoriedade. Esta perspectiva transforma a transitoriedade em responsabilidade.
Viktor Frankl

O ser humano não é alguém que busca a felicidade, mas sim alguém em busca de uma razão para ser feliz, através da realização concreta do significado potencial inerente e latente numa situação dada. Encontrada esta razão, o ser humano é capaz de enfrentar o sofrimento.
Viktor Frankl





I
Temos nos deparado com o que nos parece ser um aumento de casos de tentativas de suicídio de adolescentes e pré-adolescentes. Se não um aumento estatístico, ao menos o tema tem entrado nos noticiários e redes sociais através de desafios, filmes e séries. O assunto vem à tona.

Costumo dizer aos pais e familiares que não se deve “trucar” um adolescente. Quem joga truco sabe que algumas partidas se ganha no grito, na ameaça. Questão é que nunca se sabe se o adversário e mesmo o parceiro está blefando. Há que se pagar para ver.

São muito conhecidos os dramas ora ruidosos ora silenciosos dos adolescentes, sua certeza de que algo acontecerá nunca ou para sempre. Os dramas são assim chamados, em tom irônico, por aqueles já distantes de seu tempo de adolescência. Talvez, na verdade, drama seja um nome perfeito se nos conectarmos com a tarefa crucial da adolescência: sustentar uma subjetividade em meio à transição entre uma imagem de si ligada ao lugar ocupado na família para outra imagem de si que vislumbra o eu no mundo. Esta transição é dolorosa porque o jovem, para atravessá-la, precisa se confrontar com a desidealização de seu universo, precisa encará-lo com todas as tonalidades de cinza, negro e vermelho, precisa se dar conta de seu lugar imaginário neste que até então era todo seu mundo.

Sobre este lugar, nossos cuidados e mimos indicaram aos nossos filhos que tudo é possível, que eles têm tudo para serem in-críveis e felizes, que depende deles, que se estudarem, obedecerem, criarem, ousarem, se esforçarem, tudo estará ao alcance (e nós sempre estaremos lá). Só que a vida não acontece dessa maneira: o corpo desejado não responde à potência do esforço; o amor não obedece à nenhuma lógica: é complexo, ambivalente, intenso, sofrido; a admiração e o respeito dos colegas não seguem a lógica do bom mocismo, os bons moços e as boas moças populares não são populares devido à ética sonhada, enfim, nosso quadro de referências não é suficiente e não apresenta recursos alternativos. Ele é ora ingênuo, ora traveste de “verdade” um mundo cru, sono sem sonho.

Todo nosso genuíno e amoroso investimento, sem que nos déssemos conta, se tornou a expectativa deles. A gente não liga se não passarem na USP... é verdade! A gente ligava, mas diante do sofrimento dos filhos, qualquer USP perde a importância. Contudo, agora, ELES esperam responder ao nosso investimento com possibilidades, aos próprios olhos e aos dos outros, de alguma espécie de sucesso. Óbvio. Havia uma pedra no meio caminho... e haverá. Ao não ver a trilha ou ao não perceber que há tempo e modos para negociar com os próprios ideais, antes que seja possível se conceder tempo para construir algo tangível e que tenha sentido, os recursos que receberam se transformam em sobrepeso, superego e culpa. Os ideais infantis e familiares formam o superego e o superego tem a função de julgar o eu. O eu é julgado duramente e pode sucumbir ao julgamento agora internalizado, intrapsíquico. Nós pais já não exigimos, nosso discurso de pais muda com o tempo, mas eles próprios se tornam juízes de suas ações e ‘resultados’. Mudar como um adolescente se vê não é nada simples.

Desidealização. Um enorme desafio de todos nós! Nenhum de nós sabe o que será do Brasil até o final de 2018. Quem não deu um sorriso amarelo na virada do ano desejando um Feliz 2018? Como nós enfrentaremos nossas frustrações, nossos pavores diante do futuro a curto, médio e longo prazo? Inflando possibilidades irreais de nossos filhos? E como os lançaremos em direção ao futuro sem um sonho que os motive? Diante de um futuro obscuro deveríamos reconhecer e tematizar que estamos em meio a uma grave crise social, econômica e, obviamente, humana.

A dimensão humana da crise em que estamos todos submersos e nos debatendo expõe fragilidades. Diante do social imponderável precisamos ainda acreditar que nosso esforço será recompensado, a reasseguradora lógica da causa-efeito. Nossas escolas refletem este desejo. E então chegamos aos nossos jovens. Têm eles recursos para enfrentar o mundo tal como ele se apresenta? Acredito que sim. Recursos cognitivos, compreensão, inteligência crítica, inclusive para entender que o peixe que vendemos é apenas parte da história. E eles têm recursos para sustentar uma imagem de si, um sentido para sua existência, diante do que não pode ser modificado? Têm forças para descobrir o próprio tamanho e os 50 tons da impotência sem sucumbir? Têm flexibilidade de absorver frustrações sem fraturar? Têm habilidade de lembrar que temos um dia após o outro para lentamente acertar os ponteiros de nossa expectativa? Acreditam que têm alternativas?

E nós, pais, cuidadores, educadores? Como responderíamos a estas questões?



II
(29/4/18) Estava faltando uma peça que acabei de encontrar. O nome deste grupo que acabo de ler na Folha de São Paulo: Enquanto viver: luto . É isto! O duplo sentido da palavra LUTO pode ser a fresta na parede feita de dor e ausência de sentido, a senha que transfigura o poço sem fundo em buraco da história de Alice, capaz de nos centrifugar até o caos, para dali re-ver a possibilidade de transformação. Trabalho de luto que possibilita novos investimentos.

Luto Sim: dor absoluta; contorção do corpo, da alma, do sentido da vida, da força de amar; fúria pela injustiça, pela crueldade, pelo inóspito deste mundo que vivemos propensos a egos umbilicais, solidão, silenciamentos, mentira, exclusão, desigualdade, violência. Luto.

Luto SIM : acredito, não acredito, tenho esperança, vibro com a dor lancinante, vibro por lembrar, vibro com a vontade de mudar algo e a vibração nos aproxima de outras pessoas, capazes de emprestar o ombro, as histórias e dores; de ecoar a indignação; de restar estupefato diante do nada; me levanto com esforço brutal e me movo desse lugar de desesperança e morte em direção à energia e ao oxigênio dos encontros e seus movimentos insondáveis. Luto.





[i] Este é o nome de uma breve série Netflix sobre a adolescência. Vale a pena ver. Muitas vezes, o que precisa terminar não é a vida, mas as condições de vida oferecidas aos jovens...

[ii] Psicanalista, ex-aluna do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae (2000-2005). Coordenadora do Setor de Psicologia do Hospital Infantil Sabará.




 
 
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