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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    50 Junho 2019  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

CRÔNICA DE UMA FLAPPSIP


TIDE SETÚBAL [i]



 

O despertador tocou ainda no escuro. Para os que pegaram o voo da sete da matina, dormir não foi tarefa fácil e muito menos longa. Escuro, sono, troca de roupa, escova o dente, sono, fecha a mala, desce o elevador, pega o táxi dividido com colegas-amigas, finalmente: aeroporto. Ali já estava o Sedes, ainda no escuro, mas com malas na mão e uma animação expressa nos rostos que se cumprimentavam. Divertido mudar de ambiente, algo novo aconteceria, já intuíamos.

Apesar do cansaço, as conversas desfilavam animadas no curto voo, agora já numa manhã com claridade. Dicas de restaurantes, pergunta sobre a história de cada um no Sedes e fora dele, comentários sobre as mesas do Congresso, protestos das mesas “só-Sedes”. Uma expectativa prazerosa, que imprimia um inusitado nas relações habituais.

Para quem chegou quinta (ou antes), o primeiro dia foi puro passeio. Nós logo fomos surpreendidas pela comida divina do restaurante Jacinto ; se do vinho já esperávamos grande coisa, não sabíamos que o pequeno Uruguai se esmerava também na gastronomia, que nos sentimos gratas ao saborear. Junto com a boa comida, logo se apresentou a simpatia dos uruguaios. Não teve um que não tenha nos recebido com gentileza, quer dizer, minto, no último dia o recepcionista do hotel foi um pouco grosso, mas esse quase não conta de tão improvável.

Caminhar pelas ruas do centro antigo, descobrir lojinhas, feirinhas, museu do García Torres, Casa da Memória, passear na orla do rio, foi por onde andamos nessa chegada e durante as escapadas congresso afora, todos nós também tivemos nossos momentos para tomar um ar entre trabalhos. Talvez esteja aí uma das poucas críticas à organização do congresso: tivemos que tomar muito ar, já que nas salas mil ácaros, poeira, poluição e portanto para vários: Allegra.

No dia do início do congresso, acordamos cedo e animados para as pontuais mesas das 9h. Muitas, dificílimo escolher e logo o dilema: vamos ver os colegas-amigos ou vamos ver os estrangeiros? Nesse tema, havia convicções para todos os lados: “nós, do Sedes, já nos conhecemos, temos que escutar gente nova” ou “como é interessante a gente se escutar no estrangeiro, fora de lugar.” Teve festa para todo mundo. Cada um se divertiu na trilha que foi construindo para o seu congresso, mesmo que com algumas mesas mais fortes e outras nem tanto. Certamente havia uma pluralidade de temas e igualmente consistência nos trabalhos.





Tantos outros textos, lembrando conceitos básicos que já não pareciam precisar serem ditos, como a força dos questionamentos, das crises, das aberturas no pensamento na constituição de um sujeito saudável e autoral. Ou então, a importância do reconhecimento da vulnerabilidade constituinte do ser humano, ao qual nem os homens armados -ou talvez sobretudo eles- também não escapam.

E por fim, as trilhas mais singulares que também estavam nos corredores do congresso, como no meu caso, em que persegui os discursos feministas, as denúncias das violências do patriarcado, os estudos de gênero, nos quais o texto do Laplanche -que afirma o gênero na anterioridade do sexo- estava em alta, pois escutei de diferentes linhas. E a pergunta incessante: o que a psicanálise tem a dizer? Como podemos contribuir com a teoria, mas também com ações?

Não foi sempre, é preciso dizer, que a psicanálise se fez presente no congresso. Nas conferências, por exemplo, às vezes nem da boca da psicanalista ela se pronunciou. Alguns ficaram decepcionados, outros nem tanto. Mas certamente as conferências não foram o ponto mais alto do congresso.

Seria exagero dizer que o mais forte estava na borda do congresso? Nos antes, no depois, nos corredores e sobretudo nos pós-congressos, onde fazíamos longas mesas nos ótimos bares e restaurantes de Montevidéu? A comunidade do Sedes estava especialmente alegre e aberta. Tivemos a oportunidade de variar as conversas, alimentar amizades antigas e descobrir outras. Novas perspectivas.

Algo novo aconteceu. Uma estrangeiridade que fez muito bem para nós. Nos encontramos fora de casa, desalojados de nosso país. Parece que, longe da rotina, o riso saiu mais fácil. O afeto estava colocado na mesa, estreitando os laços, porque também disso é feito o nosso trabalho. Ou não?







[i] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e participante do grupo O Feminino e o Imaginário Cultural Contemporâneo e da equipe editorial do Boletim Online.




 
 
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