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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    50 Junho 2019  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

INDEPENDENZIA SIETE CINCO NUEVE, PLAZA


ROBERTA NAZARÉ BECHARA VENTURA [i]


Num bar na Ciudad Vieja de Montevideo, à véspera de iniciar um congresso latinoamericano de psicanálise, duas mulheres argentinas se sentam, pedem algo para beber, olham ao redor. A casa ainda não estava tão cheia quanto anunciariam os relatos de visitantes nos sites de turismo que creditam ao local o representante rio-platense da diversão e do tango há quase 100 anos. O ar turístico impregnava qualquer experiência no local, seja gastronômica ou artística, o aspecto de simulacrum barrava qualquer ensejo de genuinidade. Como a tudo que os movimentos do turismo tocam em nosso tempo, restaria à condição de presença e de encontro de cada um ali a possibilidade (ou não) de uma experiência mais sensível, menos automática, com sabores menos pasteurizados.


As duas colegas, amigas há décadas, notam um pequeno tablado vazio e silencioso, o qual, não fossem as famas da casa, não se imaginaria àquela hora abrigar qualquer performance. Esperava-se uma música ao vivo, no máximo.

– Não há tamanho para um tango neste palco – afirma uma delas.

Ao que imediatamente se contrapõe a outra:

– Há sim!

Descubro que esta última é uma exímia dançarina de tango. “Só danço com meu marido, como ele não está, não dançarei”, ouço-a dizer quando, alguma hora após, um tango se inicia naquele palco. A medida precisa do palco para o tango foi dada pelo corpo que o dança.

Sem pasteurizações, com aguçada sensibilidade e com décadas de trabalho por trás, as mesas do X Congresso da FLAPPSIP iniciam na manhã seguinte sob o grande tema das Figuras actuales de la violencia Retos al psicoanálisis latinoamericano.

Cenas intensas e doídas de nossa vida latinoamericana em trabalho psicanalítico nos diversos formatos clínicos são compartilhadas em quase 90 mesas de trabalho e três conferências, durante os três dias de congresso. Tramas fratricidas, assalto à mão armada, assassinato, cárcere, tortura, desaparecimento, abuso sexual, abuso moral, violência de Estado, condições de extrema pobreza material e vulnerabilidade política trazem para o cerne do trabalho psíquico a faceta de horror que a vida pode tomar em certas condições histórico-sociais como as nossas.

Ganha-se um corpo a mais e também novos sentidos quando tais trabalhos são entoados em voz alta, em mesas simultâneas, em uma língua-presença de sotaques variados de português e espanhol desdobrados de versões originalmente colonizadas. A escuta presente do vivido no corpo-a-corpo da clínica enquadra, numa espécie de roda, enredos difíceis de se suportar só – ainda que muitos dos trabalhos apresentados trouxessem uma clínica coletiva por trás. Um novo coletivo expandido ali no Radisson Victoria Plaza Montevideo se faz cúmplice, testemunhando operações possíveis e impossíveis de um sofrimento que transpassa singularidades psíquicas em correntes avassaladoras de posições, repetições e atos sociais-histórico-políticos.

Compartilhar presença ao melhor modo psicanalítico: de um tablado deserto, tornar palco de jogo e dança; do olhar solo, compor um duo, se ver entorno; do trágico, encontro.



Apresentação de publicações do Departamento de Psicanálise do Sedes.
Foto de Marcus Góes.





[i] Graduada em Ciências Sociais. Fonoaudióloga, membro da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, estagiária no Centro de Educação Terapêutica Lugar de Vida. Aluna do 2o ano do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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