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INFORMATIVO ONLINE SOBRE AS ATIVIDADES DO DEPARTAMENTO
PSICANÁLISE COM CRIANÇAS DO INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE

 
ANO VIII | Número 15 | edição agosto a dezembro de 2021  
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Sobre cotas e contas

Marcia Porto Ferreira1

   

 

A comunidade Sedes acaba de receber de sua Diretoria, a notícia de que este Instituto oferecerá, a partir de 2022, uma bolsa por curso para alunos negros, podendo aumentar nos cursos que tiverem um número elevado de alunos inscritos.

Acredito que seja interessante contextualizar esse ato.

Correndo o risco de não ser suficientemente fiel aos acontecimentos, embora me esmere por isso, poderia dizer que, há tempos, no Departamento de Psicanálise, um grupo de alunos pretos vem denunciando a reprodução de narrativas e práticas racistas desse Departamento. Exitosamente escutado, o grupo é auxiliado por um dispositivo interno (Incubadora de Ideias) a gestar um projeto que se dedicasse à questão.  E daí nasceu um potente grupo de estudos e práticas: A Cor do Mal Estar.

Dando um salto na história de significativas realizações, chegamos em 2020, quando a Diretoria do Instituto convoca todos os Departamentos para a organização coletiva de um evento (Resistir, Insistir e Existir) que contasse sobre os efeitos e enfrentamentos da epidemia da Covid-19.

O Departamento de Psicanálise convida aquele grupo para ter seu lugar de fala na mesa que tive a honra de coordenar, quando se apresentou também o Departamento de Formação em Psicanálise.  Vale a pena assistir ao que nomeei de manifesto, que se encontra gravado no Youtube.

Vale a pena nos determos nas interrogações dirigidas ao Departamento de Psicanálise quanto à reprodução do racismo estrutural e institucional e que, naquele momento, muito claramente, se estendeu a toda a comunidade Sedes, todos Departamentos e, acredito que muito diretamente a Diretoria do Instituto. Esse grupo revela a significativa presença de pretos entre os pacientes e funcionários de menor remuneração, assim como uma ausência quase total de pretos dentre os alunos, professores e funcionários nos diversos cargos da instituição, condição de possibilidade para o letramento da subjetividade preta, para desnaturalizar a branquitude e, portanto, para tomada de posições verdadeiramente anti-racistas. Mas também, fundamentalmente interroga: o que a psicanálise tem a ver com essa questão?  Como pode contribuir?

Como disse na ocasião, entendo que, mais do que da apresentação das questões a que esse grupo se dedica, tratou-se de uma intervenção, um ato político, um acontecimento. 

Creio, portanto, que grande parte da valiosa iniciativa da Diretoria de instaurar cotas para alunos negros, é uma resposta, uma conquista deste inspirador grupo de psicanalistas, originalmente alunos.

E nós?

O que o Departamento Psicanálise com Crianças tem feito com a questão do racismo, que vem tão vigorosamente se impondo, provocada de tantas formas, em tantos espaços?

Qual importância temos dado a essa questão?

Que contas temos que acertar?

Ainda um tanto timidamente, segundo penso, temos feito progressos em relação ao combate do racismo em nós.  

Realmente, no momento, não temos nenhum professor e nenhum aluno negro, salvo engano, num Brasil que, segundo o IBGE, possui 56,1% de pessoas que se auto-declaram negros, grupo que reúne pretos e pardos (www12.senado.leg.br)

Não por acaso, o Grupo Sustentar, do nosso Departamento, que se dedica a problematizar a clínica psicanalítica na rede de saúde mental, convidou o Grupo A Cor do Mal Estar para dialogar em dezembro daquele ano.  Detalhe: esses grupos têm histórias muito semelhantes:  ambos nasceram de inquietações de alunos que interrogam sobre seu lugar na psicanálise e em suas instituições.

Mais do que depressa, numa afinada escuta, este veículo (Boletim do Departamento de Psicanálise com Crianças) publica em sua edição eletrônica nesse mesmo mês, dando destaque à questão do racismo, indicações de leituras; uma entrevista de Lazaro Ramos com Neusa Santos Souza, reconhecida psicanalista e autora do famoso livro Tornar-se Negro e um belíssimo artigo do Christian Dunker sobre a pioneira psicanalista Virgínia Bicudo. (Leia aqui esta edição do Boletim)

O convite que Alessandra Barbieri me fez agora, para escrever esse pequeno artigo, reflete sua preocupação de que a notícia da cota para negros não seja recebida sem a devida dimensão de importância e complexidade.

Indevidamente, talvez, mas sustentado pela esperança de que possa desencadear gratificantes ações, ouso dar um spoiler de que eu e Alessandra temos nos perguntado, desejosamente, sobre como tentar incluir em nossos dispositivos existentes, a presença de uma ex-aluna nossa, Ana Carolina Barros Silva, idealizadora da já famosa Roda Terapêutica das Pretas, uma proposta de escuta clínico-ético-política para mulheres negras periféricas. Alguma proposta dos nossos leitores, de preferência acompanhada de mãos e ombros?

Espero que, de alguma forma, eu tenha podido transmitir ideias e experiências de departamento vivo, que coletiva e democraticamente faz acontecer, e que inspire outros tantos grupos de alunos e membros a produtiva e permanentemente nos provocar.
 

1 Marcia Porto Ferreira coordena, juntamente com Adela Stoppel de Gueller, o Departamento Psicanálise com Crianças, no qual é professora e supervisora. Ela é ainda coordenadora geral do Núcleo Acesso do Instituto Sedes Sapientiae.

 
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