Após uma aula sobre o racismo no curso de Psicossomática Psicanalítica, lemos e discutimos o artigo "Racismo: quando o corpo é marca e causa de exclusão social de Isildinha Baptista Nogueira.
Pensando na minha prática enquanto psicóloga negra, atendendo pessoas negras, fui atravessada e mobilizada a escrever um poema.
Segue uma pequena introdução, com trechos retirados do artigo da dra. Isildinha:
[...] ser negro é ser violentado de forma constante, contínua e cruel, sem pausa ou repouso [...] (Costa, 1984, p. 104)
Para Costa, é a violência racista que, como um peso insuportável, se impõe ao negro, através de uma "norma psico-socio-somática" (Costa, 1984, p. 104) criada e imposta por uma classe dominante branca. Esse autor aponta que a violência exercida pelo branco está no fato de que as reações racistas se baseiam na desconstrução e destruição da identidade do negro.
[...] Evidentemente, no confuso processo pelo qual passam os negros, ser sujeito no outro significa não ser o real do seu próprio corpo, que deve ser negado para que se possa ser o outro. Mas esta imagem de si, forjada na relação com o outro - e no ideal da brancura - não só não guarda nenhuma semelhança com o real de seu corpo próprio, mas é por este rejeitado, estabelecendo-se aí uma confusão entre o real e o imaginário [...] Essa confusão despersonaliza e transforma o sujeito em um autômato: ele paralisa e se coloca à mercê da vontade do outro. O sujeito assim fragilizado, envergonhado de si, se vê exposto a uma situação em que nada separa o real do imaginário, com fantasias ocorrendo, concomitantemente, dentro e fora [...] (Nogueira, 2021)
Este poema nasce da raiva.
Da depressão branca à Wakanda
O racismo destrói
Mas a gente é especialista
em se reconstruir
Estamos cansados
Seguimos cansados
Na luta
Diária
Tentando recuperar
O que é nosso
E refazer nossa autoestima.
Estamos só seguindo nosso caminho
E criando nossas possibilidades
E ainda nos culpam
Julgam
Acusam de roubo e mimimi
Tiram nossas noites de sono
Tiram nossas chances de sonho
Vivemos em constante estado de alerta
Por querer
só existir.
A bala tem mira certa
Nosso corpo é açoitado
Pela mão branca com a coleira do cachorro,
E pelas palavras,
Pelos processos seletivos que a gente não passa,
Pelas universidades que têm cota
Mas não incluem,
Pelo médico que não nos toca,
Pelo psicanalista que supõe
Mas não nos ouve,
nem olha
Querem que a gente fale do racismo
Ensine sobre racismo
Mas não querem parar de ser racistas
Eles não querem
A branquitude nos adoece
E colocam a culpa na gente
O racismo é crime
E colocam a algema na gente
Eu olho pro espelho e me pergunto
O que tem de errado comigo?
E quando a gente consegue se cuidar
E quando a gente consegue acessar
Quando a gente consegue ocupar
Quando a gente prospera
Pra eles é o completo terror
_ Preparem-se
Porque a gente tá junto
Vocês vão se revirar ainda mais _
Estar em ambientes brancos
me enfraquece
Estar em ambientes pretos
me fortalece
Mas o mundo não é só preto
Bem que eu gostaria de viver em Wakanda... E agora, o que eu faço com tudo isso?
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ano - Nº 5 - 2023publicação: 25-11-2023 |
COSTA, J. F. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
NOGUEIRA, I. B. Racismo: quando o corpo é marca e causa de exclusão social. Trama, n. 3, 2021.