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Pontes: Gênero e psicanálise



As perspectivas da psicanálise e da psicossomática psicanalítica sobre identidade de gênero podem ser hoje bastante limitadas em termos de inclusão nas mais diversas experiências de gênero e orientação sexual, uma vez que, historicamente, têm como pressuposto a lógica binária de gênero e sexualidade.  

Compreender as possíveis formas de subjetivação do sujeito torna-se cada vez mais necessário para que possamos reavaliar e ampliar as referências dos conceitos de feminino e masculino baseadas em construções identitárias.  Assim, surgem outras possibilidades de singularidade e diversidade, desconstruindo ideias de normas culturais e sociais a respeito do que seria normal ou patológico.

Desvincular um programa biológico da construção subjetiva oferece-nos maiores recursos para que possamos pensar sobre a construção de gênero no ser humano. Porém, existem muitas questões que nos intrigam, por serem, de certa forma, ainda desconhecidas.

À medida que este tema tem sido cada vez mais experenciado e discutido, temos a oportunidade de enriquecer a compreensão sobre a identidade de gênero, procurando, com base em autores clássicos da psicanálise, estabelecer uma conexão com autores influentes mais contemporâneos, como Robert Stoller, Sandra Bem e Judith Butler, entre outros, que nos ajudam a explorar a fluidez e a maleabilidade da identidade de gênero, desafiando noções rígidas e fixas de masculinidade e feminilidade.

Stoller (1993) tratou das variadas manifestações da sexualidade até estudos antropológicos, passando por uma revisão do complexo de édipo freudiano. Sua teoria propõe a existência de um núcleo de identidade de gênero, preconizando a ideia de que, aos 2 anos, o indivíduo já teria sua própria noção de ser mulher ou homem, o que se daria antes da fase fálica, como proposto por Freud.

O conceito de "androginia", de Sandra Bem (1974), relata a presença equilibrada de características consideradas, tradicionalmente, masculinas e femininas em uma mesma pessoa. Nessa abordagem, é sugerido que as características de gênero não são exclusivas de um sexo biológico, mas sim que há uma interação complexa de traços comportamentais e de personalidade coexistentes na mesma pessoa.

Por sua vez, Judith Butler (2018) trouxe à tona o conceito de "performatividade de gênero", argumentando que a identidade de gênero é construída através de ações e representações sociais repetidas. Em sua análise, a identidade de gênero não é uma essência fixa, mas sim um processo contínuo, que se manifesta nas interações sociais e culturais.

A fim de propor uma abordagem psicanalítica sempre em desenvolvimento, é essencial que possamos ampliar as possibilidades de compreensão sobre o conceito de gênero, questionando, assim, as identidades fixas e universais a que hoje estamos expostos em nossa cultura.

É também de extrema importância desconstruir a ideia de transexualidade enquanto uma patologia, para que possa aparecer a dimensão do corpo, além de sua materialidade, envolvendo, dessa forma, as várias possibilidades de subjetivação do sujeito.  A compreensão de gênero como construção social, além de atrelado ao corpo biológico, pode servir de suporte identitário para o sujeito em constituição, mas não obrigatoriamente defini-lo. Isso nos permite contestar a subordinação do gênero ao sexo biológico, sugerindo que gênero não necessariamente precisa ser compreendido através da lógica binária (masculino ou feminino).

Com o intuito de ampliarmos nossa visão e compreensão sobre as questões referentes à identidade de gênero, convidamos nossos debatedores a discutir a questão psicossomática nas construções identitárias, quando o corpo biológico se desencontra da percepção e representação psíquica que o sujeito constrói de gênero e de Eu, que, antes de mais nada, é um Eu corporal. 


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ano - Nº 5 - 2023
publicação: 25-11-2023
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Referências bibliográficas

BEM, S. The measurement of psychological androgyny. Journal of Consulting and Clinical Psychology, v. 42, n. 2, p. 125-162, 1974.

BUTLER, J. P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

STOLLER, R. J. Masculinidade e feminilidade: apresentação de gênero. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.


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